O “Eu” em terceira pessoa: autoficção atípica no livro “Infância”, de J.M. Coetzee
Resumen
Este artigo analisa como se configura, no livro Infância: Cenas da Vida na Província, de J.M. Coetzee, uma autoficção que prescinde de um dos elementos básicos listados pelos principais teóricos do gênero: a primeira pessoa, ou seja, o uso do “eu”. Assim, apesar de apresentar episódios reais da vida do autor, a narrativa pode ser lida como um romance padrão, até mesmo porque, até a metade da obra, a personagem é um “ele” anônimo, com seu nome, John, e mesmo o sobrenome, Coetzee, aparecendo somente a partir da página 81 – atrasando, assim, a presença da homonímia, outro dos elementos comumente associados à autoficção. Não obstante essa aparente (e atípica) impessoalidade, o texto é pródigo em revelar a personalidade e mesmo os sentimentos da personagem, sua sensação de deslocamento, os poucos momentos de pertencimento, suas diversas contradições e a formação de sua personalidade – inclusive como autor. Assim, o presente artigo busca comprovar a existência de uma autoficção em que o “ele” faz as vezes do “eu”.